O Brasil sepultou as lembranças de 1966

Com a decadência de Garrincha e a idade avançada de alguns craques bi campeões do mundo de futebol, o Brasil sepultou definitivamente as lembranças da Copa de 1966. Para o mundial de 1970, teríamos que recomeçar tudo outra vez. E a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) começou procurando um novo treinador. Antônio do Passos, presidente da comissão técnica, fez um convite formal ao jornalista João Saldanha. Ele aceitou na hora. O “sim” de Saldanha provocou as mais diversas reações dos muitos pretendentes ao cargo de treinador da seleção. Terminava a expectativa e começavam as críticas que somente foram contidas na medida que João Saldanha, com seu jeitão e sua coragem, conquistou o torcedor brasileiro. Os descontentes, diziam que o novo técnico estava afastado do futebol e, no mínimo, desatualizado para enfrentar os problemas que a seleção iriam ter pela frente. Como sempre, havia o bairrismo, agravado, agora, pelo clubismo.

No dia 5 de fevereiro de 1969, começava um longo período de treinamentos visando a Copa do México. Mas, primeiramente, o Brasil teria que passar pelas eliminatórias. Venezuela, Paraguai e Colômbia estavam no caminho do Brasil. A seleção e seu técnico atravessaram as fases da polêmica, da consagração popular e da crise final. No futebol, sempre se procurou formulas, slogans e planos que contivessem em estado de alta condensação o chamado popular. A coragem, a desinibição e o estilo de João Saldanha garantiram esse apelo. E, se tais qualidades continham uma razoável taxa de risco, era preciso enfrentá-lo. E foi o que fizeram os homens da CBD. Saldanha tinha sido campeão carioca pelo Botafogo no ano de 1967. Era corajoso, criativo, falava a linguagem dos jogadores. Era o líder que o Brasil precisava para ter uma cara nova com um futebol moderno, planejado e estruturado. Apesar de tudo, Saldanha não tinha diploma de técnico de futebol. Isso irritou professores e alunos da Escola de Educação Física da Universidade do Rio de Janeiro que fizeram pesadas criticas aos dirigentes da CBD.

No entanto, logo nos primeiros dias, João Saldanha mostrou que numa coisa os homens da CBD tinha acertado. Ele era de fato o homem capaz de realizar a virada de jogo com que todos sonhavam. Para trás, não havia somente as frustrações da copa de 1966. Havia também as indecisões dos técnicos, as escalações feitas sob pressão, as convocações destinadas aos interesses da política futebolística. Com Saldanha isso mudou. Primeiro, pelo seu próprio estilo. Era um treinador próximo do torcedor. Nos debates na televisão, nas entrevistas no rádio e no contato com o povo, Saldanha mostrava que não era daqueles que se submetia as pressões extra campo. Segundo, o Brasil finalmente tinha um time. Era alguma coisa bem diferente da comédia de 1966. E no dia em que falou pela primeira vez sobre a sua seleção, Saldanha escalou seu time: Felix. Carlos Alberto Torres. Brito. Djalma Dias e Rildo. Wilson Piazza. Gerson e Dirceu Lopes. Jairzinho, Pelé e Tostão. O time reserva também foi escalado: Cláudio. Zé Maria. Scala. Joel e Everaldo. Clodoaldo. Rivelino e Paulo Cesar Cajú. Paulo Borges. Toninho e Edu. O goleiro Cláudio foi dispensado por motivos médicos e foi substituído pelo alagoano Lula Monstrinho que jogava no Corinthians. E o técnico afirmava que queria em seu plantel verdadeiras feras. E foi ai que surgiu “as feras do Saldanha”. Estava estabelecida a confiança entre técnico e torcedor. E ela iria crescer com as vitórias da seleção nas eliminatórias. Seis jogos, seis vitórias. Marcamos 23 gols e tomamos apenas 2. A grande fera da seleção de Saldanha foi Tostão. Estava num forma excepcional. Na fase eliminatória do mundo inteiro, ninguém fez mais gols que Tostão.

Terminada a fase das eliminatórias e com o Brasil classificado, a confiança da torcida passou a euforia. O técnico João Saldanha e o supervisor Adolfo Milman, partiram para a Europa em uma viagem de observação. A bravura de Saldanha se somaria novos ingredientes. A agilidade mental e a picardia davam um sabor ainda mais popular ao treinador do Brasil. Em cada episódio, um novo motivo de identificação do torcedor, gerando a certeza de que, na Copa de 1970, certamente não iria se repetir o vexame de 1966. O João Sem Medo, como era chamado, foi aos estúdios da BBC de Londres para debater futebol com o treinador inglês Alf Ramey. Saldanha falava inglês e ganhou a admiração dos europeus.

Até aí, o caminho de Saldanha na seleção era sempre ascendente. Mas logo se manifestaram os choques que o levaram, gradativamente, a uma situação de total isolamento. Para isso concorreram vários fatores. Problemas técnicos, ressentimentos pessoais e também o nervosismo e a instabilidade de um homem que assumiu a sobrecarga de todo o esforço de recuperação do futebol brasileiro. No reinicio dos preparativos da seleção, o treinador encontrou muitos problemas. Suas denuncias de um complô dos juizes europeus contra o futebol sul-americano, colocou dirigentes da FIFA e seu Comitê de Arbitragem na defensiva. Os homens da CBD ficaram com medo da FIFA e começaram a deixar João Saldanha de lado. A derrota para a Argentina em Porto Alegre, o desentendimento com preparador físico Admilde Chirol e o médico Lídio Toledo além da crise envolvendo Pelé, determinaram sua queda. Depois de um jogo treino contra o Bangú, o diretor de futebol da CBD, Antônio do Passos, se demitiu. Saldanha ainda duraria mais quatro dias. Resistindo por teimosia, ele se sentia cada vez mais enfraquecido e isolado. Sua valentia se transformaria em inconveniência. Quando alguém muito bem relacionado ao governo federal lhe falou de quanto o presidente Emilio Garrastazu Médici apreciava o futebol de Dario, Saldanha respondeu que para seu lugar tinha dois jogadores. E completou: “Quem escala a seleção sou eu. O presidente escala seu ministério”.

O treinador começou a esbarrar em interesses de toda ordem. Para completar, escalou a seleção sem Pelé para um amistoso contra o Chile. Alegou que Pelé estava míope. Essa atitude provocou uma tempestade que foi enfrentava por um homem cansado, nervoso, as vezes, descontrolado. Criticado por Yustrick, Saldanha invadiu a concentração do clube da Gávea, de revolver em punho, para tomar satisfação com o técnico do Flamengo. O presidente do clube prestou queixa crime contra o invasor de domicilio. No dia seguinte, João Havelange, presidente da CBD, dissolveu a comissão técnica da seleção. Ao saber da noticia, Saldanha teria dito: “Não sou sorvete para ser dissolvido. Se isso quer dizer demitido, vou para casa dormir”. Saldanha, nos últimos dias de seleção, já não era um exemplo de coerência. Na noite da demissão, confidenciou a alguns jornalistas que Pelé sofria de miopia em alto grau. No dia seguinte, em programa e televisão, desmentia essas declarações, afirmando que o mal de Pelé era outro, muito mais sério. Com a comissão técnica dissolvida e o afastamento do treinador João Saldanha, a seleção teria que começar tudo de novo.

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