O Brasil na Copa do Mundo de 1950
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Desde o
inicio, embora entre os convocados estivessem os mais ligitimos representantes
de uma das brilhantes gerações de craques brasileiros, as atenções dos
torcedores não se concentravam nos jogadores, mas em um personagem de 43 anos,
alto robusto, de bigodes espessos e poucos sorrisos, em cujas mãos parecia estar
o próprio destino do Brasil naquela Copa do Mundo: o técnico Flávio Costa.
Flávio Costa, na época, treinador do Vasco da Gama, era um dos homens de maior
prestígio no futebol brasileiro. Prestígio que conquistou com um trabalho sério
e paciente, desde dos tempos em que fora discípulo do húngaro Dori Kruschner no
Flamengo, até quando chegou para comandar a seleção brasileira em 1950.
Orgulhava-se de suas virtudes de disciplinador e dotado de grande personalidade,
a ponto de exigir da CBD poderes absolutos para dirigir a seleção. Flávio tinha
tudo nas mãos para fazer do Brasil campeão do mundo: os melhores jogadores, as
mais confortáveis concentrações, estação de águas em Araxá, bons acessares,
tudo.
Logo depois que os jogadores voltaram de Araxá, descansados, bem dispostos, mas
sem as condições físicas ideais, disputaram duas partidas contra os paraguaios
pela Taça Osvaldo Cruz e três com os uruguaios pela Copa Rio Branco. Dois maus
resultados no pacaembú. Um empate de 3x3 com a seleção Paraguaia e uma derrota
de 4x3 para a velha e aparentemente desgastada seleção Uruguaia. Resultados que
começaram a tornar o técnico pouco popular. Em São Paulo, era acusado de
excessivamente carioca. No Rio de Janeiro, de excessivamente vascaino. Os
paulistas criticavam Flávio pela convocação de um ponta direita que atuava no
Vasco da Gama como médio volante, e deixava de lado o melhor ponteiro do Brasil
Cláudio Cristovão Pinho que atuava no Corinthians. Reclamavam também que o
técnico pretendia escalar uma linha média carioca com Eli. Danilo e Bigode. E
garantiam que a paulista Bauer. Rui e Noronha era muito melhor. Flávio Costa não
se perturbava com as criticas e afirmava: “Somos um país em que cada pessoa se
julga uma autoridade em futebol. A primeira condição para ser técnico, no
Brasil, é pensar com a própria cabeça e não com a cabeção de milhões de
autoridades que existem espalhadas por ai”.
No dia 16 de junho, festivamente, mas ainda inacabado, o maracanã era inaugurado
com um jogo entre as seleções de novos do Rio e de São Paulo. Em tudo já se
respirava o clima da Copa do Mundo. E Flávio Costa começou a ter problemas com
seus jogadores. Tesourinha o melhor ponta direita do Brasil se contundiu e foi
cortado. Friaça foi convocado para substituir o gaúcho. Zizinho também de
machucou e ficou de fora das duas primeiras partidas. Quando a relação
definitiva foi enviada a FIFA, o ponteiro titular Rodrigues também se contundiu
e ficou fora dos jogos da seleção. Mas, nenhum desfalque preocupou tanto quando
o de Zizinho.
Conforme determinava o regulamento, os 13 finalistas foram divididos, por
sorteio, em quatro grupos. Uma divisão técnica e aritmeticamente imperfeita. O
Comitê Organizador, no qual figuravam homens do bom senso e da experiência de um
Ottorino Barassi e de um Stanley Rous, cometeram a imprudência de confiar apenas
no sorteio, em vez de adotar o critério semi dirigido. Assim, no grupo 1,
ficaram Brasil. Iugoslávia. México e Suíça. No grupo 2, Inglaterra. Espanha.
Chile e Estados Unidos. No grupo 3, Itália. Suécia e Paraguai. E no grupo 4,
apenas Uruguai e Bolívia. Desse modo, enquanto Brasil e Espanha, por exemplo,
tinha que disputar três jogos para se classificar para o turno final, o Uruguai
precisava de apenas um jogo contra a modestíssima Bolívia.
No dia 24 de junho, o jogo de abertura. Com todos seus problemas, o Brasil não
teve de se esforçar para vencer o México por 4x0. Como se prévia Flávio Costa
escalou a linha média carioca com Eli. Danilo e Bigode. Mas, sem Tesourinha,
Rodrigues e Zizinho, além de Chico contundido, teve que improvisar. Para ponta
direita deslocou Maneca, reserva de Zizinho. Na meia direita ficou Ademir que
tinha convocado como meia esquerda. Baltazar entrou no comando do ataque. Na
ponta esquerda, o ponta direita Friaça. Assim, dos cinco homens do ataque,
apenas Jair estava na sua posição certa. Ademir dois, Baltazar e Jair fizeram os
gols do Brasil contra os mexicanos.
Na quarta feira, dia 28, os paulistas lotaram o pacaembú para assistir o único
jogo da seleção em São Paulo. Habilmente, visando conquistar aquele torcedor
paulista, Flávio Costa escalou a linha média paulista: Bauer. Rui e Noronha. No
ataque manteve Baltazar e Friaça em seus postos, passando Maneca para a meia
direita e Ademir para a esquerda no lugar de Jair e colocou Alfredo II na ponta
direita. Foi um desastre. Onze jogadores que jamais, mesmo em treinos, tinham
jogado juntos. E o Brasil depois de virar o primeiro tempo com 2x1, gols de
Baltazar e Alfredo II, continua afunilando na defesa adversário e esbarrava no
ferrolho suíço. A dois minutos do final, a Suíça empatou. A reação do torcedor
foi de indignação. As criticas dirigidas ao treinador brasileiro viam do Brasil
inteiro.
O terceiro jogo seria no maracanã, no dia primeiro de julho contra a Iugoslávia
que havia vencido a Suíça por 3x0 e o México por 4x1. Desta maneira, bastaria um
empate para os iugoslavos passarem para a fase final. Flávio começou a pensar na
escalação da equipe que iria decidir a sorte da seleção no mundial de 1950.
Apesar de mal resultado, o jogo de São Paulo serviu para mostrar ao técnico que
Bauer não poderia ficar de fora. Era um médio volante clássico, elegante, mas
acima de tudo, um jogador de muita disciplina tática e entusiasmo. Assim, Flávio
decidiu pela defesa que jogou na estreia com Bauer no lugar de Eli. No ataque, a
recuperação de Zizinho dava mais confiança a todos. Ele era o cérebro do time.
Jair voltaria a meia esquerda e como Ademir também não poderia ficar fora do
time, Flávio esqueceu os dois centro avantes convocados: Baltazar e Adãozinho.
Os ponteiros escalados foram foram Maneca e Chico. O fato é que o treinador
acertou em cheio na escalação. Foi uma atuação quase perfeita. O Brasil venceu
por 2x0 com gols de Ademir e Zizinho. Uma vitória muito valorizada pelos
iugoslavos que possuíam uma bela equipe. O Brasil estava no turno final.
Depois da indefinição inicial, o Brasil não tinha encontrado apenas um time, mas
também uma filosofia de jogo. Com Bauer e Danilo dividindo a tarefa de apoio ao
ataque, Zizinho e Jair funcionando como num quadrado mágico, Flávio Costa
renunciava a sua “diagonal”, para adotar um WM ortodoxo até o final do
campeonato. Para os técnicos e jornalistas europeus presentes a Copa do Mundo,
aquele WM com quatro gênios no quadrado mágico a suprir de bolas o notável
Ademir, poderia transformar o Brasil numa equipe praticamente impartível.
Uruguai, Suécia e Espanha foram os outros classificados para o turno final. Com
uma vitória de 8x0 sobre a Bolívia, os uruguaios se classificaram quase sem suar
a camisa. A Suécia lutou contra uma Itália que ainda não tinha se refeito da
tragédia de Superga e um brioso Paraguai. Os suecos tinha uma equipe coesa e
fisicamente bem preparada. Os espanhóis formaram uma das melhores seleções de
sua história e ficaram com a outra vaga ao derrotar a Inglaterra por 1x0.
A Copa do Mundo que começara fria, seria uma sucessão de grandes emoções no
turno final. No mesmo dia em que Uruguai e Espanha empataram em 2x2, o Brasil
partia firme para o titulo com uma goleada de 7x1 sobre a Suécia. A equipe foi
mantida por Flávio Costa e brindou a torcida com um alegre show de gols, quatro
deles do artilheiro Ademir. Mas o teste mesmo seria no jogo do dia 13 de julho
contra a Espanha. Pelo menos era o que se supunha. Mesmo diante da categórica
vitória diante dos iugoslavos e a bonita goleada contra os suecos, ainda
pairavam algumas dúvidas sobre a força do time brasileiro. Muitos alegavam que,
se o meio campo era super talentoso, se o trio atacante transformava o futebol
em pura arte e se os dois extremas vinham se saindo muito bem, , lá atrás as
coisa não andavam bem. É verdade que Bigode, até então não comprometera, mas
Augusto e Juvenal tinham se revelado, dois zagueiros indecisos e vulneráveis. O
ataque espanhol tinha três grandes jogadores. Os melhores da Europa. Os
ponteiros Bassora e Gainza e o centro avante Zarra. E não era atoa que a seleção
espanhola era chama pela imprensa de La Furia. Seria o teste decisivo.
Certamente o maracanã recebeu duzentas mil pessoas. Os ingressos se esgotaram na
vésperas da partida. Por volta do meio dia, os portões já estavam fechados. O
jogo começou as 15 horas. Foi uma partida inesquecível. A Espanha tinha um
grande time, mas o Brasil tinha muito mais. E acabaram conquistando uma
histórica vitória por 6x1. Em termos de espetáculo, não faltara nada: gols
sensacionais, dribles, passes, jogadas perfeitas. De Barbosa a Bigode, incluindo
Augusto e Juvenal, uma defesa segura. Bauer e Danilo, uma extraordinária dupla
de meio campo. Zizinho. Ademir e Jair, três fantásticos atacantes. Para muitos,
aquele foi a maior exibição de uma seleção brasileira no maracanã. Quando Chico
marcou o quarto gol, um coro de 200.000 vozes começou a cantar a marchinha
carnavalesca “Touradas em Madri”. Centenas de fogos explodiam por todo o
estádio, balões verde-amarelos subiam, bandeiras se agitavam e, no campo era
bola de pé em pé com os futuros campeões do mundo dando um verdadeiro show.
Naquele instante ninguém mais duvidava de que os brasileiros seriam os campeões
do mundo. Terminada a partida, o povo desceu as rampas do maracanã cantando –
“Eu fui as touradas de Madri, paratibum, bum, bum”.
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