O Brasil conquista seu primeiro título mundial em 1958
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As cinco
horas da tarde do dia 24 de maio de 1958, comissão técnica e vinte e dois
jogadores embarcaram para a Europa. Antes da estréia na Suécia, o Brasil faria
dois jogos na Itália. Pelo mesmo marcador de 4x0, ganhamos da Fiorentina e da
Internacionale. No jogo de Florença, quando Garrincha driblou toda defesa
italiana, esperou o zagueiro voltar para driblar novamente antes de fazer o gol,
a torcida aplaudiu de pé a jogada do Mané. Garrincha era genial para os
italianos. Para membros da comissão técnica, Garrincha era um irresponsável.
Futebol não é brincadeira, é coisa séria. Nestes jogos, Feola definiu o time
titular para a estreia. Pelos três gols que marcou nos dois jogos na Itália,
Dida se manteve como titular. Pelo que fez contra a Fiorentina, Garrincha foi
barrado por Joel.
Sem Garrincha e outros jogadores que tinham condições de jogar, o Brasil fez sua
estreia na Copa do Mundo no dia 8 de junho, na cidade de Udevalla, diante da
Áustria. Coincidência ou não, o time escalado atendia plenamente as
recomendações do relatório sigiloso, já que dos onze jogadores , nove eram
brancos, um de cor (Didi) e outro moreno (Dida). O primeiro jogo não apresentou
maiores problemas para os brasileiros que venceram os austríacos por 3x0, com
dois gols de Mazola e um de Nilton Santos. Lenda ou não, muitos afirmam que o
lance do gol de Nilton Santos, serviu para mostrar o quanto Feola estava longe
da realidade. Quando Nilton desarmou o adversário e partiu para o ataque, Feola
teria gritado para o lateral voltar e marcar, deixar o ataque para os atacantes.
O craque do Botafogo tabelou com Mazzola e marcou o segundo gol do Brasil.
Depois do gol, o treinador aplaudiu.
O segundo jogo foi realizado no dia 11 de junho em Gotemburgo contra a
Inglaterra. Mesmo com os brasileiros jogando melhor o marcador não saiu do zero
a zero. Foi o resultado deste jogo que levou, o capitão Belini mais Didi e
Nilton Santos conversarem com Vicente Feola nos jardins da concentração de
Hindas sobre a próxima partida contra os russos. Didi, por exemplo, achava que o
meio campo precisava de um jogador menos clássico e mais vibrante que Dino Sani.
Um jogador como Zito que estava na reserva. Belini lembrava que Mazzola andava
com a cabeça cheia das propostas do futebol italiano e, milhões de liras estavam
a sua espera depois da Copa. Os outros concordavam que o centro avante estava
uma pilha de nervos. Também todos concordavam que já era tempo de dar uma
oportunidade da Pelé. O garoto tinha apenas 17 anos, é verdade, mas sangue novo
ajudava. Por ultimo Nilton Santos argumentou – “Joel é um bom jogador, aplicado
e raçudo. Mas precisamos do Garrincha para surpreender esses gringos. Sem
Garrincha não vamos furar as defesas européias”. Feola ouviu atentamente as
ponderações de Belini. Didi e Nilton Santos, jogadores que ele respeitava e
admirava. No dia do jogo resolveu escalar Zito. Garrincha e Pelé.
As substituições na seleção brasileira, deixaram o treinador russo Katchaline
otimista. No dia 15 de junho, o estádio de Nya Ullevi, em Gotemburgo, recebia 50
mil torcedores, o maior publico de todo o campeonato. O Brasil ia jogar com o
irresponsável Garrincha, o inexperiente Pelé e o desconhecido Zito. Os dois
primeiros minutos daquela partida constituem um dos mais belos momentos da
história de todas as copas. Com os dribles seguidos de Garrincha no lateral
Kuznetsov, os marcadores se multiplicaram a frente daquele fenômeno de pernas
tortas. Novos dribles de Garrincha, um chute de Garrincha na trave, um passe
perfeito de Didi para Vává e gol do Brasil. Tudo isso em dois minutos de jogo
para desmoronar o otimismo do técnico russo. Seus informantes, os comentaristas
da France Football, não avisara que o titular Joel tinha um fantástico reserva.
O Brasil ainda partiu para o segundo gol também de Vává. Com a vitória de 2x0, a
seleção, quase por acaso, acertava uma escalação definitiva para o restante do
campeonato. A Rússia, apesar de derrotada, se classificou. Áustria e Inglaterra
voltaram para casa.
Nos outros grupos, França e Iugoslávia superaram Escócia e Paraguai. Alemanha e
Checolováquia se classificaram. Argentina e Irlanda do Norte ficaram no meio do
campo. Suécia e Pais de Gales foram os primeiros do seu grupo. Hungria e México
não passaram para as quartas de final.
Os jogos desta nova fase da Copa foram realizados no dia 19 de junho. A Alemanha
venceu a Iugoslávia, a França derrotou a Irlanda do Norte e a Suécia foi
brilhante diante da Rússia. Ao Brasil coube enfrentar o País de Gales, cuja
seleção, trancada durante noventa minutos de jogo, parecia ter entrado em campo
com a preocupação de não ser goleado. Um gol de Pelé, no segundo tempo, fez o
Brasil respirar aliviado com aquele 1x0. Uma vitória dificílima na cidade de
Gotemburgo. Os brasileiros encantavam os europeus e, em particular, os suecos. A
concentração de Hindas era aberta para os torcedores locais. A simpatia dos
jogadores brasileiros e as brincadeiras que eles faziam com os jovens suecos,
faziam com que toda torcida estivesse do nosso lado.
As semi finais, no dia 24 de junho, daria a Suécia uma dupla alegria. Sua
vitória sobre a Alemanha e o triunfo do Brasil contra a França. Nada melhor do
que uma final entre Brasil e Suécia para coroar a brilhante realização de uma
Copa do Mundo. O jogo contra a França foi mais uma grande exibição dos
brasileiros. O menino de 17 anos, chamado Pelé, continuava fazendo das suas.
Seus três gols começaram a lhe garantir o titulo de Rei Pelé. Foi a consagração
definitiva aos olhos do mundo.
Mais uma vez aqueles que entendiam de futebol no mundo inteiro fizeram suas
previsões. Tecnicamente, não negavam a superioridade dos brasileiros. Mas, os
suecos podiam repetir a façanha dos uruguaios em 1950 e dos alemães em 1954,
fazendo com que a melhor equipe perdesse a última batalha. As chances suecas
apoiavam-se em três pontos. A camisa, o tempo e o primeiro gol. As camisas das
duas seleções eram amarelas, de modo que teria de haver um sorteio para decidir
qual dos dois países mudaria de uniforme. Se o Brasil perdesse, diziam os
entendidos, seus jogadores, supersticiosos como eram, podiam ficar nervosos. O
tempo chuvoso, o campo pesado, eram prejudiciais aos brasileiros que eram mais
técnicos, mais leves. Quanto ao primeiro gol, se coubesse ao time da casa
marcá-lo, certamente forçaria o Brasil a abandonar seu 4-2-4 para se lançar
imprudentemente ao ataque, o que facilitaria os suecos explorarem sua melhor
arma que eram os contra ataques.
Os brasileiros recebiam todas essas previsões com bom humor e na maior
tranqüilidade. O único problema era o zagueiro De Sordi que se mostrava
irrequieto, apreensivo e tenso. Ele não conseguiu dormir na noite que antecedeu
ao jogo. O problema foi passado para Dr. Hilton Gosling. O médico ficou sem
saber o que fazer. Manter a escalação de De Sordi, mesmo depois de uma noite de
insônia ou simplesmente contar o fato ao Feola e solicitar sua substituição.
Entretanto, dr. Hilton pensou rapidamente na questão e partiu para uma decisão
inteligente e elegante. Primeiro conversou com Djalma Santos que estava
tranqüilo e com muita vontade de jogar. Depois mandou chamar De Sordi que, logo
após o jogo contra a França, reclamava de dores nas pernas. Embora o médico
soubesse que as dores cessariam tão logo o jogador fossem massageado para entrar
em campo, examinou o zagueiro e, com ares de quem estava preocupado, perguntou
se ele ainda sentia dores nas pernas. De Sordi disse que sim. Então, dr. Hilton
Gosling sentenciou: “Bem, não podemos nos arriscar. Pode ser um principio de
distensão e não queremos ficar sem você no meio do jogo. Sinto muito, De Sordi,
mas infelizmente desta vez você está de fora”.
Choveu muito no dia da final e o campo ficou encharcado como os suecos queriam.
O Brasil teve que mudar a camisa amarela pela azul, também como os suecos
queiram. E o primeiro gol, logo no inicio da partida, foi feito por Liedholm,
ainda como os suecos queriam. Além disso, mais um titular do Brasil não jogaria.
De Sordi cederia seu lugar a Djalma Santos. Mas, a Copa do Mundo de 1958, desta
feita, premiou a melhor equipe do campeonato, contrariando os entendidos do
futebol. Ainda mais por uma goleada, o maior placar de uma final de Copa do
Mundo.
Com uma atuação perfeita, técnica, física e psicologicamente, os brasileiros se
tornaram campeões mundiais pela primeira vez. Tinha um goleiro frio como Gilmar.
Uma linha de zagueiros com Djalma Santos que anulou o craque da Suécia Skoglund.
O atlético Belini que jogava de peito estufado e liderava o time e o clássico
Nilton Santos esbanjando talento. Um meio campo com o dinâmico Zito e o genial
Didi que garantiam todo o equilíbrio do time. E um ataque no qual a magia de
Garrincha, a coragem de Vává, o sangue novo de Pelé e o aplicado Zagalo,
formavam um quarteto irrestível. Terminado o jogo, o Rei Gustavo da Suécia
entregou a taça de ouro ao capitão Belini que a ergueu num gesto histórico. E
concluiu que a Copa do Mundo estava em boas mãos.
A Copa do Mundo estava realmente em boas mãos, apesar de muitas ironias que
marcaram sua conquista pelo Brasil. Ironia de saber que Pelé, Garrincha e Zito
saíram daqui como meros reservas, sendo escalados em Hindas, praticamente por
acaso. Ironia de se saber que muito do êxito brasileiro se atribui ao plano de
Paulo Machado de Carvalho, um plano que quase toda a imprensa esportiva
criticou, ridicularizou e tentou destruir. Ironia de se saber que esse mesmo
plano levou muito em conta aquele “relatório sigiloso”, falando da emotividade
do jogador de cor, de sua vunerabilidade, de seus nervos frágeis, para que, no
dia da grande final, fosse justamente a bravura, a personalidade, o caráter do
negro Djalma Santos a única solução que o Brasil encontrou para substituir, os
nervos tensos do branco De Sordi.
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