O Brasil chega a Suécia em 1958 desacreditado

Antes da Copa do Mundo de 1958, os analistas de uma das mais famosas revistas da Europa, fazia uma analise sobre os países que disputariam o titulo na Suécia. A revista era France Football. Os franceses, como os europeus, de um modo geral, reconheciam muitas virtudes no futebol brasileiro: insuperável técnica individual, sentido de improvisação, inteligência, vivacidade, imaginação, reflexos, elegância, malícia. Seus defeitos, diziam os entendidos da revista francesa, decorriam exatamente disso. Sendo um artista, e não um atleta, apaixonava-se de tal forma por sua arte que se deixava dominar por ela. O jogador brasileiro tinha nervos sensíveis, era um temperamental, um imaturo, um soldado psicologicamente despreparado para a guerra. Em 1950, perdeu por excesso de otimismo. Em 1954, foi vencido pelo medo. Tudo levava a crer que as derrotas não lhe tinham servido de exemplo. Em 1956, durante um excursão da seleção pela Europa, dirigentes e jogadores se envolveram num lamentável show de indisciplina, quando tentaram agredir o arbitro do jogo contra a Áustria em Viena. Definitivamente, na opinião da France Football, com seu temperamento explosivo, os brasileiros não fariam grande coisa na Copa da Suécia.

No Brasil, muita gente já estava convencida de que, após os fracassos de 1950 e 1954, nosso futebol jamais chegaria a um titulo mundial. No inicio de 1958, um relatório sigiloso, passava de mão em mão pelos corredores do velho prédio da CBD. O relatório dizia praticamente a mesma coisa da revista francesa, embora com palavras cautelosas. A CBD era, agora, uma nova entidade, com um novo comando e novos planos. No dia 14 de março de 1958, João Havelange assumia a presidência, em substituição a Silvio Padilha. Segundo Havelange, a seleção seria entregue a quem de fato entendia do assunto, a gente especializada, a um pessoal técnico realmente capaz. O Brasil precisava evitar que os erros do passado se repetissem no futuro. Já era tempo do futebol brasileiro aprender com seus erros.

relatório sigiloso era o presidente João Havelange que não citava fatos nem nomes. Entretanto, comentava o triste episódio de Viena, na excursão de 1956 e os erros das duas copas anteriores. O novo presidente da CBD tinha duas preocupações iniciais: os termos, um tanto pessimista do relatório sigiloso e a escolha de um novo técnico para a seleção da Copa de 1958. Mas o que, exatamente dizia o tal relatório ? Como, mais tarde, suas dezenas de folhas datilografadas desapareceram entre outras tantas de papel velho jogado no lixo pela CBD, tudo o que restou dele, foram as lembranças daqueles que tiveram oportunidade de lê-lo. Consta que, após um estudo cientifico, no qual colaboraram dois ou três médicos, o relatório concluía que o maior mal do jogador brasileiro era seu temperamento. Nossos craques, sobretudo os de cor, era demasiadamente emotivos.

João Havelange pretendia mudar tudo aquilo, embora, no fundo, soubesse que não seria fácil. E fácil também não seria a escolha do novo técnico. Duas semanas depois de assumir, Havelange partiu a procura de um nome. Ainda havia, entre seus assessores, os que confiavam em Flávio Costa, a quem o presidente não queria, e Zézé Moreira que chegou a ser convidado mas, não aceitou. Muita gente indicava o nome de Fleitas Solich, o técnico que tinha sido tri campeão carioca pelo Flamengo. A crônica esportiva era o maior aliado do treinador paraguaio. Por ser estrangeiro, Havelange, muito cauteloso, preferiu não chamar Fleitas Solich. Havia, também, Martim Francisco, um treinador hábil e inteligente. Ele tinha inventado e adotado com êxito no futebol brasileiro, o sistema 4-2-4. Entretanto, Martim Francisco era um homem complicado. Por isso, seu nome foi riscado da lista. Osvaldo Brandão também era outro nome cogitado. Ele dirigiu o Brasil no Sul-americano de 1957, mas não foi muito bem. Nas eliminatórias para a Copa de 1958, os brasileiros suaram para se classificar diante do Perú. Uma folha seca de Didi, em pleno maracanã, salvou o Brasil na vitória de 1x0 sobre os peruanos. A opinião geral era contrária a escolha de Osvaldo Brandão. Havelange ia ouvindo gente, colhendo informações e, cada vez ficava mais confuso. O mês de março ia chegando ao seu final e ainda não havia uma idéia de quem poderia ser o treinador da seleção brasileira em 1958.

Curiosamente, João Havelange tinha um plano de trabalho, cujo autor era Paulo Machado de Carvalho, um velho dirigente paulista, empresário bem sucedido, dono de emissoras de rádio e televisão, homem benquisto nos meios esportivos de todo Brasil. Havelange estava entusiasmado com as idéias que Paulo Machado tinha para organizar a seleção, nos três meses que antecedia a Copa. Depois de conquistar o titulo, todos acharam o plano maravilhoso e aplaudiram o Marechal da Vitória. Antes, porém, quase todo mundo criticou, item por item. Uns ridicularizaram aquele excesso de detalhes com que Paulo Machado de Carvalho defendia seus pontos de vista. Outros simplesmente não acreditavam naquela história de comissão técnica, com um chefe, um supervisor, uma equipe médica, um psicólogo e, até um dentista. Ademar Pimenta, técnico da seleção de 1938, criticava na Rádio Mauá, dizendo que se tratava de um exagero sem sentido. Até Mário Filho, famoso cronista, afirmava no Jornal dos Sports, que com o plano do senhor Paulo Machado, o Brasil pouco poderia fazer na Suécia. Contudo, depois da Copa, as opiniões mudaram. O plano do dirigente paulista tinha sido a própria razão da vitória.

O certo é que as opiniões foram carregadas de exageros, mas o plano não era tão ruim que merecesse as criticas que recebeu, nem era tão bom que bastasse para dar o titulo mundial do Brasil. De qualquer forma, foi com ele que João Havelange se armou para enfrentar a grande batalha da Copa. E foi graças a ele, também, que o problema do treinador se resolveu. Paulo Machado de Carvalho, escolhido para chefiar a comissão técnica que ele mesmo criara, simplificou tudo com a indicação de Vicente Feola. Simpático, boa praça, incapaz de um gesto ou uma palavra ríspida, sem ter feito um só inimigo em trinta anos de futebol, Feola, com todas essas qualidades, foi uma escolha surpreendente. Aos 49 anos de idade, com poucos êxitos numa carreira que começou em 1935, não parecia ser o homem indicado para levar a seleção brasileira a um titulo que nem Flávio Costa, nem Zézé Moreira, técnicos consagrados, havia conseguido. Embora tivesse dirigido o time do São Paulo e a seleção paulista, Feola não estava entre os nossos treinadores de maior prestígio. Sua grande experiência tinha sido como auxiliar de Flávio Costa na Copa do Mundo de 1950.

De qualquer maneira, nos primeiros dias de maio, lá estava o gordo Feola no meio do campo dirigindo os primeiros treinos de uma seleção convocada por ele mesmo e os demais membros da comissão técnica: o chefe Paulo Machado, o supervisor Carlos Nascimento e o médico Hilton Gosling. Dr. Hilton, particularmente, teve um grande trabalho nos dias que se seguiram a convocação, levando todos os jogadores para um rigoroso check-ups com especialistas por ele mesmo indicados. Coube, também ao Dr. Hilton Gosling, a escolha do dentista e do psicólogo que acompanhariam a seleção até o final da campanha. Muitos perguntaram – Porque um dentista ? Os jogadores se submeteram a exames clínicos e radiográficos, feitos por professores e alunos da Faculdade Nacional de Odontologia. Que eles tivessem seus dentes restaurados, seus focos de infeção eliminados, suas bocas bem tratadas, tudo estava certo. Mas, para que um dentista permanente junto aos jogadores até o final da Copa? Ninguém soube responder. Mas, o certo é que, integrado a comissão técnica, Dr. Mário Trigo, cirurgião dentista, entrou para a história como um tipo curioso, sorridente e piadista, exatamente o oposto de Carlos Nascimento, de quem ninguém conseguia arrancar um sorriso. O capitão Belini, diria anos depois que, a presença do Mario Trigo valeu pelo menos pelas piadas que ele contava, descontraindo o pessoal nos momentos de grande tensão.

Já sobre a função do psicólogo não havia dúvida. João Cavalhares fora contratado justamente para transformar o nostálgico, emotivo e temperamental jogador brasileiro num atleta psicologicamente preparado para suportar as pressões a que estava sujeito numa Copa do Mundo. Era uma tarefa difícil, reconhecia Dr. Hilton Gosling, diante dos dados do relatório sigiloso. Ao contrário do Dr. Mário Trigo, João Cavalhares não era um homem bem humorado. Pouco conhecia de futebol, e seus conhecimentos psicológicos entraram em conflito com as complicadas sutilezas do futebol. Ele achava que Garrincha não podia jogar futebol, tinha um QI muito baixo. Antes de chegar a Suécia, a seleção jogou na Itália. Garrincha tinha driblado toda a defesa da Fiorentina, e diante do gol vazio, esperou que outro zagueiro chegasse para ele driblar novamente antes mandar a bola para as redes. Naquele lance, o psicólogo teria dito – “Esse rapaz é um irresponsável. Em Copa do Mundo não se pode admitir brincadeira desse tipo”. Por isso, a seleção começou com Joel como titular. Nilton Santos foi quem conversou com o psicólogo informando tudo sobre Garrincha, e completou – “O Mané só sabe jogar futebol”. Ainda bem que Cavalhares ouviu Nilton Santos.

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