Melhor seleção do mundo caiu diante da Alemanha
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Nos outros grupos, não houve maiores
surpresas. Inglaterra e Suíça passaram bem para a nova fase. Itália e Bélgica
pouco fizeram de bom. O Uruguai justificava o respeito que todos tinham pelos
campeões do mundo e se colocaram em primeiro lugar do seu grupo seguido da
Áustria. Sobraram Checoslováquia e Escócia. Mas a maior atração da Copa, era
mesmo a Hungria, líder do seu grupo com duas esmagadoras goleadas. 9x0 contra a
Coréia do Sul e 8x3 contra a Alemanha. Neste jogo, os alemães, sabendo que
poderiam se classificar na partida contra a frágil Turquia, colocou muitos
reservas. Um deles, o violento Liebrich acertou o tornozelo de Puskas. Mesmo
assim, a Alemanha se classificou com a Hungria. Turquia e Coréia do Sul ficaram
pelo meio do caminho.
Nas quartas de final, a Alemanha venceu a Iugoslávia por 2x0. A Áustria ganhou
da Suíça por 7x5. O Uruguai derrotou a Inglaterra por 4x2 e, a Hungria passou
pelo Brasil também por 4x2. Nas semi finais, quatro países disputaria o direito
de saber quem iriam disputar o titulo de campeão mundial no dia 4 de junho. A
Alemanha goleou a Áustria por 6x1 e a Hungria passou com dificuldade pelo
Uruguai. No tempo regulamentar: 2x2. Na prorrogação a Hungria ganhou por 2x0 e
se
credenciou para decidir o titulo com a Alemanha.
Finalmente, alemães e húngaros iriam decidir a Copa do Mundo de 1954. O jogo não
preocupava o técnico da Hungria Gyula Mandi. Na verdade, não preocupava um único
húngaro vivo. Desde de sexta feira, dia 2 de junho, a chuva caia quase sem parar
sobre a cidade de Berna. Mas, os húngaros viviam, com antecedência, um clima de
festa. As esposas dos jogadores, chegaram de avião da Hungria, e estavam prontas
para dividir com os maridos famosos todas as honras do titulo de campeão
mundial. Mas, na concentração, enquanto Puskas tinha o pé esquerdo enfiado num
forno Bier, Kocsis, artilheiro do campeonato com onze gols, mostrava-se
visivelmente mal humorado. Ele achava que seria ótimo se o capitão pudesse
jogar. Como a grande preocupação da escalação de Puskas era do ministro Sebes,
Budai comentava que não sabia o porque da preocupação do dirigente, já que o
time tinha se saído muito bem sem o titular Puskas.
No sábado, os húngaros chamaram o médico suíço dr. Laszio Kreisz, de um Hospital
próximo a concentração, na tentativa de vencer aquela dorzinha aguda que
persistia na parte interna do tornozelo do craque. Depois do exame, o médico
informou aos dirigentes húngaros que a escalação de Puskas iria depender de um
teste de campo na manhã do jogo. O ministro Sebes olhava para seu craque e
compreendia seu sofrimento. Por quatro anos, Puskas fora o capitão, o líder e a
maior estrela daquela seleção que toda a Europa chamava de “A Equipe de Ouro”.
Uma seleção que o próprio ministro Sebes ajudara a montar como uma máquina, e
que naqueles quatro anos não sofrera nenhuma derrota. Agora chegava a final de
uma Copa do Mundo com uma invejável série invicta de 32 partidas internacionais.
E Puskas participara de tudo aquilo desde o começo. Ele era o próprio espirito
daquela fantástica equipe de ouro. No entanto, uma entrada violenta o colocara
fora de combate logo na segunda partida da Copa. É verdade que, mesmo sem ele, a
Hungria venceu seus difíceis compromissos, mas a Hungria sem Puskas não era bem
a Hungria, daí todo esforço para ele voltar ao time. Afinal, era o dia em que o
titulo iria coroar uma brilhante campanha de quatro longos anos de
invencibilidade, e nada mais justo que coubesse justamente ao seu capitão
levantar a taça Jules Rimet.
Nos dias que antecederam a finalissima, a imprensa somente falava na Hungria e
em Puskas. Antes da Copa, os integrantes da Alemanha do treinador Sepp Herberger,
chegaram a afirmar que, com um pouco de sorte, poderiam ficar entre os quatro
primeiros colocados. O importante era que os alemães estavam presentes. Mas, no
dia do jogo, logo cedinho, cercado de repórteres, fotógrafos e curiosos, Puskas
se submetia ao teste de campo. Atento a cada movimento do craque, o médico dr.
Laszlo Kreitsz indagava: “E então Puskas ? ”. “Tudo bem”, respondia o jogador.
Terminado o teste, Puskas vira-se para Sebes e diz: “”Pode contar comigo,
ministro”. Ferenc Puskas, major da Cavalaria húngaro, capitão da melhor seleção
do mundo, peça mais valiosa da máquina de Gustav Sebes, realmente jogou.
E foi um bom começo para os húngaros. Puskas abriu a contagem e deu o passe para
Czibor assinalar o segundo. Mas os 2x0 com que os húngaros viraram o primeiro
tempo foi apenas uma ilusão. Seus jogadores, entre eles Puskas, mancando
visivelmente, mas certo da vitória, acenavam para suas esposas, agora sentadas
nas tribunas especiais no estádio de Berna. Entretanto, no segundo tempo, três
gols alemães mudaram a história da partida. Três gols que premiavam uma
inacreditável reação. Mais tarde, muitos comentários diziam que os comandados de
Sepp Herberg teriam atuado sob a ação de estimulantes. Os três gols que deram o
titulo a Alemanha, interromperam a longa série invicta da famosa seleção
húngara. Se o resultado da Copa de 1950 foi um choque, o da Copa de 1954 foi um
cataclismo. Para muitos, foi a maior surpresa registrada numa final de qualquer
torneio, campeonato ou taça já disputada em gramados europeus.
Terminado o jogo, Puskas, em silêncio, baixou os olhos para as mãos trêmulas do
presidente da FIFA Jules Rimet que colocava em seu peito a medalha de prata a
que tinha direito, como vice campeão. E o presidente teria dito ao capitão:
“Espero que a visão desta medalha inspire você e seus companheiros, a trocar de
metal na próxima vez. Sinceramente, eu o desejo de todo coração”. Pela primeira
vez, alí, no palanque improvizado no estádio Wankdork, Jules Rimet entrava no
mérito de um resultado. Torcera em segredo pelo melhor, e o melhor perdeu. O
velho sonhador encerrava daquele momento, com um justo gesto de homenagem ao
futebol que por quatro anos encantara a Europa.
Mas, a quinta Copa do Mundo não seria o fim, apenas, da carreira de Jules Rimet,
que então deixava a presidência da FIFA para morrer um ano depois. Um
inesquecível punhado de craques, como o uruguaio Obdulio Varela, o inglês
Stanley Matthews, o iugoslavo Rajko Mitic, o italiano Giampiero Boniperte, o
alemão Fritz Walter e o brasileiro Julinho Botelho, encerravam também, suas
participações na história das Copas do Mundo. Mais que um punhado de craques,
desaparecia alí, em campos da Suiça, todo um espirito. O futebol ofensivo
vivera, na Copa de 1954, seu grande momento: 140 gols em 16 partidas, mais de
cinco gols por jogo. E aquele futebol, tão bem representado pela seleção húngara
de Puskas, Kocsis e Hidegkuti, fora derrotado por um adversário bem organizado,
lutador, valente, mas defensivo. Foi uma derrota do próprio futebol.
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