Uruguaios os primeiros campeões em 1930
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A primeira Copa
do Mundo foi uma sucessão de incertezas. Dois meses antes da data marcada para a
abertura oficial, nenhuma seleção havia confirmado sua participação. Pelo
contrário, as únicas informações que a Associação Uruguaia de Futebol havia
recebido do outro lado ao Atlântico eram que Itália, Espanha, Áustria, Hungria,
Tchecoslováquia, Alemanha e Suíça, definitivamente não iriam a Montevidéu. As
explicações era sempre as mesmas: para se levar uma seleção à América do Sul
gastavam-se quinze dias para ir, quinze para voltar, mais vinte para disputar a
competição. Isso significava uma ausência de quase dois meses. As Federações que
adotaram o profissionalismo achavam que tanto tempo fora era, na verdade, perda
de dinheiro. As amadoristas alegavam que seus jogadores não poderiam se ausentar
por muito tempo de seus empregos.
Diante de tudo isso, os uruguaios começaram a temer pelo sucesso de sua grande
festa. Jules Rimet se encarregou de fazer tudo para que a França se inscrevesse.
O mesmo Rimet conseguiu que seus amigos da Iugoslávia também confirmassem sua
participação. Outros apelos foram feitos para que a Bélgica e a Romênia não
ficassem de fora do primeiro mundial de futebol. Pelos menos quatro países da
Europa tiveram suas presenças confirmadas. Mas a indiferença européia à sua
festa não era o único problema que os uruguaios enfrentavam às vésperas da
abertura da Copa. O Estádio Centenário, que começou a ser construído apenas seis
meses antes numa localidade denominada Parque José Battle y Ordonez, ainda não
estava pronto. Obra gigantesca, traçada pelo arquiteto Juan Scasso, com
instalações modernas somente ficaria pronto depois do inicio do campeonato.
Alheio a todos esses problemas de seus vizinhos, o Brasil vivia seus próprios
dramas. Desde que a realização da primeira Copa do Mundo fora confirmada, a
Confederação Brasileira de Desportos fez questão de se incluir entre as
primeiras a garantir sua presença. No dia três de maio de 1930, a CBD enviava a
Associação Paulista de Esportes Atléticos uma lista com a relação de treze
jogadores convocados. A APEA concordava com os jogadores convocados, mas não
aceitava a comissão técnica com três cariocas. Queria, pelo menos, um paulista
entre os membros da comissão. A CBD firmava o pé nos três cariocas e a polêmica
se estendeu até o dia 12 de junho, menos de um mês do inicio da abertura da
Copa, quando a APEA comunicou a CBD que não cederia jogadores para a seleção.
Resultado: a CBD convocou vinte jogadores cariocas e mais um de Campos. Araken
Patusca, resolveu brigar como Santos e furar o boicote paulista. Ele completou a
lista dos vinte e dois convocados.
Sem um treinador, apenas com os três membros da comissão técnica para dar
palpites ocasionais, a seleção realizou apenas dois treinos antes de embarcar no
navio Conte Verde com destino a Montevidéu. Embora improvisada, inexperiente,
sem refletir o bom nível técnico que o futebol brasileiro já atingira em 1930, a
seleção chegou a Montevidéu para disputar sua primeira Copa do Mundo. O chefe da
delegação, Afrânio Costa, nada tinha ver com o futebol. Era um desportista do
tiro ao alvo, medalha de prata nos jogos olímpicos de Antuérpia em 1920. Horace
Werner viajou apenas como secretário. Silvio Vasques e Otavio Antonio da Silva,
como jornalistas. Gilberto de Almeida Rêgo era o arbitro brasileiro indicado
pela FIFA e nenhum treinador. Pindaro de Carvalho, que seria o técnico, seguiu
depois com os jogadores Joel e Teofilo. Com tudo isso, havia alguns trunfos.
Fausto de Santos, a Maravilha Negra, centro médio e líder, começava a despontar
com uma das mais curtas e brilhantes carreira de todo futebol brasileiro. Havia
Preguinho, um atleta completo e muito inteligente. Russinho, um atacante cheio
de malícia. Carvalho Leite, um tanque de coragem e goleador. E Araken Patusca,
um grande craque e de drible fácil. Mas, isso não foi o bastante para impedir
que nossa seleção fosse eliminada logo no primeiro jogo.
Como o numero de participantes era apenas de treze, e não dezesseis com se
pretendia, o campeonato foi disputado pelo sistema eliminatório, mas com os
países divididos em quatro grupos, cujos vencedores seriam, automaticamente,
semifinalistas. O Brasil ficou no grupo dois junto com Iugoslávia e Bolívia. No
dia 14 de junho, o time brasileiro escalado por Pindaro de Carvalho, entrava no
encharcado campo do Parque Central para enfrentar a Iugoslávia. Fazia frio de
quase zero grau. Os iugoslavos marcaram dois a zero no primeiro tempo. No
intervalo, os brasileiros foram obrigados a se aquecerem com cobertores por
causa do frio. Até chá quente os jogadores tomaram para vencer o frio. No
segundo tempo, jogamos melhor e conseguimos apenas um gol através de Preguinho.
Quando o Brasil enfrentou a Bolívia no estádio Centenário, já estávamos
eliminados porque a Iugoslávia, três dias antes, havia vencido os bolivianos e
garantido a passagem para as semifinais. Para diminuir um pouco a tristeza,
goleamos a Bolívia por 4x0 com dois gols de Preguinho e dois de Moderato. A
nossa seleção sofreu algumas alteração para seu segundo compromisso. Nas duas
semifinais, Uruguai e Argentina derrotaram Iugoslávia e Estados Unidos, a grande
surpresa do campeonato. A finalíssima foi entre Uruguai e Argentina. Por três
dias, em Montevidéu e Buenos Ayres não se falava em outra coisa. Na véspera do
jogo, as barcas cruzavam o Rio Prata cheias de argentinos inflamados, a agitar
bandeiras e cantar canções patrióticas. No outro lado, a confusão era ainda
maior. Hotéis lotados, ingressos já nas mãos dos cambistas e muitas discussões
sobre o jogo.
Oitenta mil torcedores lotaram o estádio Centenário. O juiz era o belga John
Langenus. O primeiro problema foi resolvido pelo arbitro no sorteio. Como o
regulamento não previa nada sobre a bola a ser usada, José Nazassi queria a bola
uruguaia, e Manuel Ferreira exigia a bola argentina. Apesar deste clima nervoso
dentro e fora do campo, o jogo transcorreu dentro de uma disciplina aceitável.
Dorado fez 1x0 para os uruguaios e, logo depois, Peucelle empatou para os
argentinos. Dominando o jogo, Stabile, o artilheiro da Copa, colocou a Argentina
em vantagem. 2x1 foi o placar do primeiro tempo. Nos quarenta e cinco minutos
finais veio a espantosa reação uruguaia. Cea empatou. Iriarte fez 3x2 para
delírio de sua torcida que não parava de gritar e incentivar seus jogadores. No
final da partida, Castro, El Manco, com uma cabeçada maravilhosa completou o
marcador – Uruguai 4 x Argentina 2. Risos, lágrimas, abraços, a emoção tomou
conta de toda seleção celeste. Os jogadores choravam e beijavam a bandeira do
seu país que, logo depois, foi hasteada no topo da Torre das Homenagens que fica
no estádio Centenário de Montevidéu. Os uruguaios eram os primeiros campeões do
mundo e inscrevia seu nome na Taça Jules Rimet.