O lado da Copa que poucos conhecem - 1938
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TERCEIRA COPA DE
1938
Os delegados franceses apelaram pesado para a emoção e, para agradar a Jules
Rimet, a FIFA decidiu realizar a Copa de 1938 no país, para tristeza dos
argentinos.
Em 13 de agosto de 1936, durante a Olimpíada de Berlim, a FIFA se reuniu no
prédio da Opera Kroll para decidir a sede da Copa seguinte. Embora a entidade já
contasse com 51 países filiados, os votantes eram apenas 23. Lá pelas tantas, a
reunião ganhou um clima emocional: o delegado da Federação Francesa pediu a
palavra e lembrou aos presentes os grandes esforços de dois patrícios – Henri
Delaunay e Jules Rimet – para que a Copa do Mundo se tornasse realidade. Assim,
como homenagem a eles, nada mais justo do que dar a seu país o direito de sediar
o mundial de 1938. E, com Delaunay e Rimet ali, presentes à reunião, os
delegados se sentiram constrangidos em votar contra a proposta gaulesa.
Feitas às contas, a França teve a maioria absoluta dos votos, 19. Argentina
recebeu 3 e a Alemanha 1. Em sinal de protesto, os delegados argentinos
abandonaram o congresso. E, um ano e meio mais tarde, ainda ofendidos, tomaram a
decisão de não participarem da disputa nos gramados. Em 1937, três novas
deserções: Inglaterra – que continuava teimando em considerar a Copa do Mundo um
torneio sem expressão – Espanha – metida numa sangrenta guerra civil – e Uruguai
– alegando não ter perdoado os europeus pelo boicote imposto a Copa de 1930.
Teria de haver eliminatórias para as 16 vagas. Brasil e Argentina disputariam a
vaga. Até que, em 5 de abril de 1938, dia do sorteio dos grupos para a fase
final, na França, a FIFA considerou que o Brasil estava classificado. E
determinou que a Argentina teria de disputar um jogo de pré-qualificação contra
Cuba, vencedora da zona centro-americana. Argentina deu a impressão de
concordar, tanto que o jogo constou da tabela oficial da Copa e estava marcado
para o dia 31 de maio, em Paris. Finalmente, em 10 de abril, os argentinos
enviaram um telegrama a FIFA comunicando que estava mesmo fora da Copa. A
decisão provocou ferozes manifestações de descontentamento nas ruas de Buenos
Ayres.
Depois das frustrações de 1930 (por causa do bairrismo de paulistas e cariocas)
e 1934 (culpa total do tal profissionalismo), finalmente a Seleção brasileira
pôde contar com todos os melhores jogadores e ainda teve tempo para se preparar.
Satisfeito com o trabalho de Ademar Pimenta no Sul-Americano de 1937, a CBD o
manteve como técnico. Bem intencionado, porém não muito firme nas decisões, ele
era vitima fácil das pressões de clubes e dirigentes na escalação do time. A
seleção treinou 12 dias no Rio de Janeiro e duas semanas na estação de águas da
cidade de Caxambu. A CBD lançou a Campanha de Selo. Foram emitidos 100.000 selos
com a frase “Ajudar o Scratch é dever de todo brasileiro”. Cada um era vendido a
500 réis, o que resultou numa arrecadação total de 50 contos de réis para as
despesas da Seleção na França.
Num sábado, 30 de abril de 1938, a seleção brasileira embarcou no Rio no navio
britânico Arlanza. Apesar da chuva forte que caia, uma pequena multidão foi à
Praça Mauá se despedir dos craques brasileiros. Dois dias depois, na primeira
escala da viagem, em Salvador, todos fizeram um treino no campo da Graça com um
publico recorde em jogos na cidade. A segunda parada foi em Recife, mas não
houve treinamento. De lá o Arlanza cruzou o Atlântico, fazendo uma escala
técnica em Dacar, na África, antes de ancorar em Marselha no dia 15 de maio, 20
dias antes da estréia na Copa. De Marselha a delegação brasileira seguiu de trem
até a cidade de Paris onde se hospedaram nos hotéis Saint Germain e Henri IV.
Para a maioria dos jogadores, o deslumbramento foi total: Paris era a cidade
mais famosa e mais requintada do mundo, um luxo mesmo.
Desde o fim de década de 20 algumas emissoras de rádio já apresentavam flashes
de partidas de futebol, informando em intervalos regulares o andamento da
partida. Mas a primeira transmissão integral (ou pelos menos a primeira bem
documentada) ocorreu no dia 19 de julho de 1931. Do campo do São Paulo da
Floresta, Nicolau Tuna transmitiu pela rádio Educadora Paulista a vitória por
6x4 da seleção paulista sobre a paranaense pelo 8º campeonato brasileiro de
futebol. Por sua habilidade de falar ininterruptamente, dando a impressão de que
nem sequer tomava fôlego entre uma frase e outra, Tuna ficou conhecido
nacionalmente como “speaker metralhadora”.
Em 1936 foi realizada a primeira transmissão internacional. Em 27 de dezembro,
diretamente de Buenos Ayres e usando a freqüência de ondas curtas, Gagliano Neto
narrou pela rádio Cruzeiro do Sul, de São Paulo, a vitória do Brasil sobre o
Peru pelo campeonato sul-americano. Nesse dia Gagliano Neto introduziu outra
grande novidade nas irradiações esportivas: o comentarista. Até então, no
intervalo do jogo as emissoras ficavam tocando musica, até os times voltarem ao
gramado para a etapa complementar. Gagliano Neto decidiu levar para a Argentina
o gaúcho Ary Lund, que preencheu o intervalo recapitulando as jogadas do
primeiro tempo. Mas a novidade não pegou na Copa de 1938.
A vitória do Brasil sobre a Polônia por 6x5, em Estrasburgo, foi o primeiro jogo
de Copa do Mundo transmitido para o Brasil. O speaker foi Gagliano Neto, da rede
Byington, formada pelas rádios Clube do Brasil PRA-3 e Cruzeiro do Sul PRD-2 ,
ambas do São Paulo, e mais suas filiais Cosmos PRE-7 r Cruzeiro do Sul PRB-6
(ambas do Rio de Janeiro). A rádio Clube de Santos- PRB-4 entrou como emissora
ASSOCIADA e, à medida que a seleção avançava no mundial, outras estações foram
se integrando ao grupo. Nas principais cidades, alto-falantes eram instalados em
locais estratégicos, ao ar livre, pra que os torcedores pudessem acompanhar a
disputa. Apesar de existirem 350.000 mil aparelhos receptores no Brasil, ter um
em casa ainda era privilégio das elites. O sucesso da transmissão da Copa da
França fez com que praticamente todas as emissoras passassem a dedicar espaço ao
futebol em sua programação.
Em 1931 três argentinos da província de Córdoba, Antonio Olivo Tossilini, Romano
Luis Pólo e Juan Valbonesi, haviam criado a primeira bola inteiriça, sem o tento
externo, que machucava os atletas – muitos evitavam cabecear - Para a época, foi
uma revolução tecnológica. Curiosamente, a bola começou a ser usada em 1935, mas
no Brasil. A Argentina só a adotaria em 1936. Em 1937 a nova bola chegou á
Europa e em 1938, com o nome de superball, foi usada em todas as partidas da
Copa da França. Não foi por acaso que o numero de gols de cabeça aumentou de 17
para 84. Assim, alguns jogadores, que até então atuavam de gorro por necessidade
passaram a usá-lo por vaidade, para disfarçar uma eventual calvície precoce.
Jogo final – 19 de junho de 1938
Itália 4 x Hungria 2
Gols de Colaussi (I). Titkos (H). Piola (I) e Colaussi (I) no primeiro tempo.
Sárosi (H) e Piola (I) no segundo tempo.
Horário: 17 horas.
Juiz: Georges Capdeville (França).
Itália: Olivieri. Foni e Rava. Serantoni. Andreolo e Locatelli. Biavati. Meazza.
Piola. Ferrari e Colaussi.
Hungria: Szabó. Polgar e Biró. Lázár. Szucs e Szalay. Sas. Zsengellér. Sárosi.
Vince e Titkos.
O Brasil levou 22 jogadores –
WALTER de Souza Goulart (Flamengo).
BATATAIS Algisto Lorenzato (Fluminense).
NARIZ Álvaro Cançado Lopes (Botafogo).
DOMINGOS DA GUIA Antonio da Guia (Flamengo).
Artur MACHADO (Fluminense).
JAÙ Euclydes Barbosa (Vasco).
Hermínio Américo de BRITO (América).
MARTIM Mércio da Silveira (Botafogo).
ZEZÉ PROCOPIO José Procópio Mendes (Botafogo).
José Augusto BRANDÃO (Corinthians).
ARGEMIRO Pinheiro da Silva (Portuguesa Santista).
AFONSINHO Afonso Guimarães da Silva (São Cristóvão).
PATESKO Rodolfo Barteczko (Botafogo).
José PERÁCIO Berjun (Botafogo).
José dos Santos LOPES (Corinthians).
LEONIDAS DA SILVA (Flamengo).
HERCULES de Miranda (Fluminense).
ROMEU Pelliciari (Fluminense).
TIM Elba de Pádua Lima (Fluminense).
ROBERTO Emilio da Cunha (São Cristóvão).
NIGINHO Osvaldo Dionizio Fantoni (Vasco).
Comissão Técnica -
Chefe da delegação: José Maria Castello Branco.
Superintendente: Irineu Chaves.
Jornalista: Afrânio Vieira.
Represente no Congresso da FIFA: Célio de Barros.
Locutor: Leonardo Gagliano Neto.
Da irritação ao orgulho.
A derrota para a Itália provocou vários incidentes e tumultos no Brasil,
exigindo a intervenção da policia. Mas passada a raiva começou a nascer no país
inteiro um sentimento de orgulho pelo bom desempenho da seleção que, afinal,
tinha terminado a Copa em terceiro lugar. E apenas 15 dias depois esse orgulho
virou idolatria, no
retorno dos jogadores ao país.
Dois campeões.
Em relação à Copa de 1934 havia uma novidade no regulamento da de 1938: na
finalíssima, caso houvesse empate nos jogos e nas prorrogações, os dois países
seriam proclamados campeões mundiais. Isso não aconteceu, mas, se tivesse
ocorrido, a Copa de 1938 teria sido a única vez em que a taça precisaria ser
repartida.
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