A Itália de Mussolini foi campeã em 1934

A segunda Copa do Mundo de Futebol, ao contrário da primeira, teve realmente uma dimensão mundial. Trinta e dois países, que representavam todos os continentes, se inscreveram. Depois das eliminatórias, ficaram dezesseis países para disputar a competição na Itália. O Brasil, diante da desistência do Peru, com quem deveria se enfrentar, em um dos grupos sul-americanos, garantiu automaticamente, a sua ida para a Itália. Das chamadas grandes potências, apenas a Inglaterra não compareceu. Mas, a segunda Copa, pelo menos, num ponto, foi muito semelhante à primeira. O Brasil não esteve presente com sua força máxima. E mais uma vez o motivo foi uma crise interna. Um ano antes da implantação do profissionalismo no Brasil, Rio e São Paulo dividiria o nosso futebol. De um lado, fiel ao amadorismo, a CBD. Do outro, adeptos do novo regime, a Federação Brasileira de Futebol. A esta ultima estavam filiados os principais clubes cariocas e paulistas. Como a FIFA não reconhecia a Federação Brasileira de Futebol, caberia a CBD convocar a seleção para disputar a Copa do Mundo na Itália.

No Rio de Janeiro, apenas o Botafogo continuava firme na CBD. Carlito Rocha, era o homem forte do Botafogo e passou a ajudar a entidade maior do nosso futebol. E foi através de Carlito que a CBD começou a fazer boas propostas financeiras aos grandes jogadores para integrarem a seleção brasileira. No Rio, três vascaínos aceitaram a proposta. Rei, Leônidas da Silva e Tinoco. Mesmo assim, um deles, o goleiro Rei, desistiu e devolveu a Carlito Rocha os vinte contos de réis que tinha recebido adiantados. Em São Paulo, o CBD convenceu Silvio Hoffmann, Luizinho, Armandinho e Waldemar de Brito. O Palmeiras levou seus craques para a Fazenda Dobrada, de propriedade do presidente Delmanto. Seus empregados tinham ordem de não deixarem Carlito Rocha se aproximar dos jogadores esmeraldinos. A CBD convocou mais doze jogadores e vinte e um atletas viajaram no dia 12 de maio, a bordo do navio Biancamano, numa desconfortável e monótona jornada até o porto italiano de Gênova. Desta vez, embarcou um técnico chamado Luiz Vinhaes. Carlito Rocha seguiu como arbitro e delegado. Francisco de Paulo era o tesoureiro e José Caribé da Rocha era o jornalista. A viajem durou onze dias e todos chegam cansados e sentindo ainda os efeitos dos enjôos sofridos durante o longo percurso, que teve uma parada em Barcelona para apanhar os jogadores da seleção espanhola.

Nos jogos na Itália, os dezesseis finalistas decidiam sua sorte na base do tudo ou nada. Os vencedores iam passando para as etapas seguintes. Os perdedores voltavam para casa. Um sistema que a seleção brasileira sabia que cada jogo era uma decisão. E isso ficou evidenciado no jogo de estréia contra os espanhóis que tinham um excelente time. O goleiro Zamora era apontado como o maior da Europa. Muitos outros craques se destacavam no futebol mundial. O jogo foi bom, mas os espanhóis foram sempre melhores. No primeiro tempo: Espanha 2x0, gols de Iraragorri de pênalti e Langara. No inicio do segundo tempo, Leônidas da Silva marcou o gol brasileiro para, logo depois, Langara assinalar o terceiro gol espanhol. Os brasileiros saíram reclamando de um pênalti não marcado contra a Espanha quando zagueiro Quincoces tirou a bola com a mão quando ela ia entrar num chute de Patesko. A passagem da seleção brasileira pela segunda Copa do Mundo foi tão discreta que quase ninguém notou quando ela deixou a Itália para uma excursão arranjada às pressas, com jogos em Belgrado, Zagreb, Catalunha, Barcelona, Lisboa e Porto, num total de oito jogos. Ganhamos duas. Perdemos duas e empatamos quatro.

A Itália, sob o comando de experiente e consagrado técnico Vitorio Pozzo e reforçado por vários “oriundos”, como os argentinos Monti, Guaita e Orsi, e os brasileiros De Maria e Filó, era uma das atrações do campeonato. O presidente da Federação Italiana, General Giorgio Vaccaro, reuniu os jogadores e disse: “o principal objetivo deste campeonato é demonstrar que o esporte fascista é movido por um grande idealismo, manifestado pela responsabilidade de seus dirigentes e pela maturidade de seu povo, sob a inspiração do Duce (Benito Mussolini)”. A Copa do Mundo de 1934 seria, assim, para a Itália fascista de Mussolini, o que os Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, haveria de ser para a Alemanha nazista de Hitler, um meio de afirmar a superioridade de um país, de uma raça, de um regime. Vitorio Pozzo e seus jogadores sabiam disso.

O jogo final foi disputado no dia 10 de junho em Roma. Não foi, porém, um mero cumprimento de tabela, um simples desfecho de festa para os italianos. Eles sofreram, e muito, para chegarem aos 2x1 sobre a Tchecoslováquia. Na Tribuna de Honra, Mussolini estava nervoso. Após os noventa minutos do que ele supunha ser uma final fácil, o empate de 1x1 tornava necessária uma prorrogação de mais meia hora. Nela, somente nela, veio a vitória sofrida, graças a um gol de Schiavo. A Itália era campeão do mundo. Nada mais natural do que aquela comemoração toda. No centro do gramado, os jogadores se abraçavam e abraçavam o treinador Pozzo. O desabafo era de jogadores que passaram três meses sem ver a família, concentrados num rigoroso regime disciplinar e que, naquele momento eram heróis nacionais. Eram campeões do mundo.

 

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